O isolamento social e a cultura do cancelamento se encontram em um ponto: a saúde mental. De acordo com psicóloga Flavia Pitella, este cenário pode levar a efeitos psicológicos, como transtornos de ansiedade e sintomas de depressão. Para ela, esse panorama e a tensão gerada por ele, podem levar a um aumento do ato de cancelar. No Brasil são mais de 11 mil mortos de Covid-19, levando em consideração casos subnotificados. As medidas de isolamento são a principal alternativa para conter a propagação do vírus, segundo a Organização Mundial da Saúde.
A saúde mental é o ponto de intersecção entre o isolamento social e a cultura do cancelamento.
Foto:Reprodução
Por outro lado a cultura do cancelamento foi o termo do ano do Dicionário Macquarie, responsável por escolher termos que moldaram o comportamento humano. Usado para designar um movimento nas redes sociais de perda de apoio a alguma marca, empresa, pessoa pública que tenha cometido algum ato que não seja considerado aceitável. Doutor em Comunicação e Cultura pela Escola de Comunicação UFRJ Igor Waltz explica que ideia de "cultura' diz respeito a uma série de práticas enraizadas no comportamento das pessoas no meio digital e um dos efeitos pode ser agravamentos de questões emocionais e psicológicas.
- O cancelamento seria uma prática de silenciar e excluir qualquer um que expresse um posicionamento ou visão contrária àquilo que é aceitável pela maioria. Isso dificulta a criação de consenso, o aprendizado de quem possa ter errado e, até mesmo, pode trazer consequências psicológicas e emocionais aos indivíduos.
Esse cenário se agrava em uma situação de pandemia. A psicóloga e fundadora do Projeto Terapia Para Todos explica que cada um sente de uma forma, mas a maioria se sente aprisionado. De acordo com ela, podem surgir sintomas de algumas doenças e agravamento de casos já tratados.
- Cria uma sensação de aprisionamento no inconsciente. Fora a questão da depressão, a pessoa começa a ficar deprimida por não ter mais contato com o que tinha, não pode dar uma volta, encontrar os amigos, curtir. Então, a depressão vem e pode se instalar , não é que a pessoa vai ter depressão, mas ela pode ter sintomas depressivos, o que é diferente. - pontuou.
Um dos casos que teve repercussão foi o da Gabriela Pugliesi, a influenciadora digital que já havia sido infeccionada pelo covid-19, no dia 25 abril, participou de uma festa desrespeitando as recomendações de aglomeração. A influenciadora postou fotos e videos no aplicativo do Instagram. Apesar do pedido de desculpas, Pugliesi perdeu contratos publicitários com o prejuízo estimado de até 3 milhões. Além de ter sido duramente criticada nas redes sociais pelo caso, após o ocorrido ela desativou a sua conta.
Questionado se a prática do cancelamento pode gerar algum aprendizado, o professor Igor Waltz afirmou que mesmo com a perda financeira de seguidores dificilmente esses comportamentos geram um ganho efetivo ao debate público a longo prazo. Segundo ele, diz mais respeito a uma performance, a um modo de agir calcado no imediato.
- Há também aqueles que são canceladas hoje, e são "descancelados" daqui a alguns meses, também apenas baseadas em uma performance imediata, uma ação ou uma fala específica. Esse movimento não gera um diálogo consolidado, uma conscientização. - afirmou.
Flavia Pitella afirma que casos, como o da Pugliese, entram na linha do insuportável, pois pessoas públicas como ela estão acostumadas a serem reverenciadas. Uma situação dessa pode causar os mais diversos transtornos mentais, a depressão por exemplo. Para ela, uma pessoa como a influenciadora, que precisa da fama dos seguidores para poder viver, tem uma dificuldade em ser odiada e criticada
- A gente não atura muito bem ser odiado, ser criticado, não levamos isso muito bem, pessoas que fazem terapia leva isso melhor, porque sabe que isso pode acontecer. Mas uma pessoa como ela não está acostumada a ser criticada, pelo contrário. Ela passa ser referência para uma coisa ruim, entra numa zona de ser criticada, desrespeitada. Onde ela vai sofrer as consequências de uma atitude que ela tomou por livre espontânea vontade. - concluiu.
De que maneira é possível transformar o cancelamento em aprendizado? O professor acredita que passa pelas pessoas se atentarem a uma comunicação na internet que seja mais propositiva, aberta, que reconheça as especificidades do outro, como seu contexto de vida, suas origens. Abertura ao diálogo, mas não no sentido de aceitar comportamentos, como racismo, xenofobia, homofobia.
- Quando recorremos ao cancelamento, jogamos sobre o indivíduo a responsabilização de um problema que na verdade é estrutural. Isso passar por uma educação midiática, que promova um uso melhor das mídias, para troca de informações de qualidade no lugar de silenciamento e informações falsas. - afirmou.
Por Nathalia de Araújo
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