Simonal no auge da carreira: "Eu sempre fui mascarado"
Os conservadores reprovaram no artista a marra e a empáfia, sem disfarçar o racismo. Os progressistas o consideravam agressivo e um apoiador envolvido na ditadura. Na era pré-digital, em plena luta pela retomada da democracia, o cantor Wilson Simonal foi a primeira vítima de um cancelamento no meio artístico. Alvo de ataques por suposta ligação com os órgãos de repressão, Simonal, 20 anos após a sua morte, ainda desperta debates e divide opiniões.
O fenômeno do cancelamento digital nasceu a partir da "cancel culture" norte-americana e aqui no Brasil, ganhou força na esteira recente da polarização do país. Mas segundo o jornalista Pedro Dória, o linchamento faz parte da cultura brasileira. "Não é um fenômeno da república, nem do império, nem colônia: é da cultura brasileira", afirma o escritor, que ressalta os inúmeros trabalhos acadêmicos nas áreas de antropologia e sociologia que investigam os linchamentos no interior e nas periferias brasileiras. Logo, o termo cancelamento ou linchamento analógico pode ser aplicado ao que aconteceu com o cantor Wilson Simonal.
“Ele é um sujeito ambíguo como grande parte da sociedade brasileira”, resume o historiador Gustavo Alonso, que dedicou grande parte da sua vida acadêmica ao cantor que faria 82 anos de idade esse ano. Simonal foi do completo estrelato ao esquecimento seletivo da maioria da população brasileira graças ao julgamento da mídia e da opinião pública diante do suposto envolvimento na tortura do seu contador Raphael Viviani.
Segundo documentários sobre a trajetória do cantor, Simonal teria pedido aos órgãos públicos para investigar Viviani que teria roubado parte de suas economias, e sofreu um efeito rebote quando o mesmo expôs todo o acontecido na mídia, envolvendo casos de tortura.
O doutor e professor de história: Gustavo Alonso
Depois de tal acontecimento, ocorrido em 1971, Simonal teve sua carreira maculada e uma lista de shows cancelados até o dia de sua morte. Segundo Alonso, autor da tese de mestrado “Simonal: quem não tem swing morre com a boca cheia de formiga”, em homenagem a um dos álbuns do artista, o elemento swing foi o que faltou no cantor nos momentos mais críticos. O historiador faz uma ressalva que se deve evitar um pensamento anacrônico, isto é quando valores e suposições atuais são aplicadas a tempos remotos.Porém, afirma que um dos grandes impedimentos de uma possível reconciliação da imagem do cantor, foi a forma reativa que o mesmo teve na época.
Em uma de suas falas mais célebres, Simonal ao ser perguntado sobre se o sucesso o deixou mascarado, o mesmo cutuca “Mas eu sempre fui mascarado” e ressalta de maneira honesta o papel do artista que é o de representar. Tal fala dialoga e muito com a nossa atualidade virtual que como um baile de máscaras esconde nossas ambiguidades e profundidades.
Por Beatriz Veloso
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