Mark Zuckerberg: CEO das redes sociais Instagram, Facebook e WhatsApp. Créditos: Facebook Divulgação
Ao usar programas de computador para identificar os motivos da permanência dos usuários nas redes, grupos empresariais, controladores do Twitter, do Facebook e do Youtube. identificaram que as polêmicas e os conflitos fazem as pessoas passarem mais tempo conectados. Dessa forma, os algoritmos sempre direcionam as brigas nas redes para o consumidor. Caso contrário, sem apostar nos conteúdos que provocam indignação, a perda de lucro destas empresas seria grande, afirma o jornalista Pedro Doria, uma das referências em digital da imprensa brasileira.
Para explicar a cultura do cancelamento, e como os algoritmos influenciam neste linchamento virtual, a turma 21A, da disciplina Redação em Jornalismo Impresso, do professor Chico Otavio, produziu um amplo projeto de reportagem. Os artigos reunidos neste site mostram a dinâmica dos usuários das redes sociais quanto aos cancelamentos, o comportamento daqueles que sofrem com os ataques virtuais e como esse espaço se tornou uma ameaça para a democracia.
A cultura do cancelamento é um movimento dos usuários das redes sociais para apontar os erros, boicotar e linchar uma pessoa pública ou uma marca. O movimento não ocorre apenas no Brasil. Internautas de todo o mundo se reúnem nas redes sociais para discutir e questionar os assuntos recorrentes da semana. No Brasil, o exemplo mais conhecido de cancelamento é o da cantora Anitta. A artista está constantemente envolvida em alguma polêmica e com o nome nos assuntos mais comentados do Twitter.
Segundo o ex-editor executivo do jornal extra, Aloy Jupiara, a cultura do cancelamento, é um fenômeno antigo no Brasil, de cinco anos atrás, e está associada a polarização política.
- Isso acirrou os ânimos e o espaço de rompimento (ou cancelamento) para além mesmo da política. É uma situação ruim. Ela impede o diálogo, o contraditório, na medida em que simplesmente fecha uma porta. - afirma.
Pedro Doria ressalta que não houve um estudo sociológico, psicológico ou antropológico para descobrir a tendência que o internauta tem de se revoltar e ficar mais tempo na internet. Os softwares conseguiram sozinhos identificar os hábitos dos usuários e reproduzi-los para que eles ficassem mais tempo nas redes sociais.
- Aquele tweet que você publica deixa uma quantidade muito grande de pessoas indignadas, o tweet aparece para mais e mais pessoas, porque ele gera um engajamento muito alto e faz com que as pessoas fiquem muito tempo no twitter, e o que eu falo sobre essa plataforma também vale para o youtube e para o facebook. - diz o jornalista.
Engajamento
A produtora de conteúdo para o twitter Krishna Sousa (@kribshna), de 25 anos, é usuária da rede social desde os 13 anos. Em agosto de 2019, ela fez um tweet que viralizou e sofreu com os linchamentos virtuais. Krishna percebe como a entrega dos tweets foi modificada ao longo do tempo. Hoje em dia, qualquer postagem que tenha muito engajamento, mesmo que o internauta não siga, nem goste do conteúdo daquela pessoa, aparece na timeline dele, isso abre mais espaço para o discurso de ódio.
- Uma pessoa que não me segue e só vê o que o algoritmo joga pra ela, ela vai pensar ‘ah essa garota só fala de homem, só fala de sexo, só fala daquilo…’ e cria uma imagem negativa. Isso é muito perigoso. Hoje em dia qualquer conteúdo vai pra timeline de qualquer pessoa, não tem essa separação de gosto e de faixa etária. A gente perde o controle de quem tá consumindo o nosso conteúdo. - conta a jovem.
A jornalista de tecnologia, Adriana Barsotti, explica que a visibilidade dos conteúdos é dada a partir do engajamento, e, as rede sociais não se preocupam se as interações fomentam o discurso de ódio. O interesse deles é financeiro. A cada visualização, clique e comentários, as empresas ganham mais dinheiro.
- Um post começa a ser compartilhado, tem muitas curtidas, muitas respostas, é um sinal pros algoritmos de que aquele assunto desperta muito interesse e de que ele tem que ter o alcance ampliado. Então, não existe por parte das plataformas uma política efetiva para combater os discursos de ódio. - afirma a jornalista.
Censura
Este método de leitura da inteligência artificial colabora para o que é conhecido hoje como a cultura do cancelamento quanto mais revoltados com os posicionamento da marca, ou pessoa, mais tempo os usuários tendem a ficar nas redes para defender ou repudiar um determinado comportamento.
- Nesse tipo de ambiente a democracia murcha, porque a democracia acontece quando os dois lados conseguem sentar, conversar e cada um sede de um lado para que a pauta da sociedade avance. Quando você não consegue ter esse tipo de conversa, a democracia trava, nós estamos em um ambiente de democracia travada no mundo. - acrescenta Dória sobre a cultura do cancelamento.
A influencer Krishna conta que, para ela e outros colegas produtores de conteúdo, tem sido um desafio escrever e se expressar nas redes sociais, porque existe um medo dos comentários que podem ser feitos a partir de uma publicação.
- Rola uma espécie de autocensura, de fato. A galera se junta em grupo, e não é nem pra criticar, é pra esculachar mesmo, pra maltratar. Então muita gente perde essa vontade de falar e expressar. Isso é muito complicado porque a gente perde a pluralidade, claro que a gente não pode ser tolerante com o discurso de ódio, mas às vezes é simplesmente divergência. - explica.
O papel das grandes empresas
De acordo com Dória, as empresas, apesar de não legitimarem os linchamentos virtuais, fazem pouco para mudar o panorama de indignação e ódio constante nas redes.
- Essas empresas prefeririam que linchamentos virtuais não existissem. Elas não são propositalmente favoráveis de alguma forma, elas não consideram isso um tipo de ação legítima e tentam resolver a coisa da maneira como podem. Agora, a maneira como podem é muito pouco. As redes precisariam funcionar com algoritmos que não estimulam conteúdo que nos deixa indignados o tempo todo. Isso faria delas menos viciantes e muito menos lucrativas. Não fazem porque a perda de grana seria gigantesca. - explica Dória.
Ainda, a especialista Alana Rizzo, co fundadora do Redes Cordiais, explica que as redes sociais não foram construídas para o silêncio. As plataformas foram desenhadas para interação e engajamento, tanto os likes quanto os deslikes são positivos, porque geram os movimentos na rede.
- A cultura do cancelamento reforça a arquitetura das redes, reduz o diálogo e não tolera o processo de desconstrução e de aprendizado. Ela pode extrapolar o campo virtual e gerar efeitos reais na vida de quem foi vítima, gerando prejuízos emocionais e até financeiros. - diz.
Publicações impulsionadas
Adriana Barsotti ressalta que, além das interações orgânicas, aquelas que acontecem exclusivamente a partir da interação entre os internautas, existe também a interação impulsionada, ou seja, a pessoa, ou a marca, compra um espaço na rede social para que aquela informação seja divulgada. A partir das postagens impulsionadas, as empresas lucram ainda mais.
- A partir daí vale o poder econômico, quem tem mais dinheiro para impulsionar, tem mais alcance. Ou uma empresa, ou um político, ou eleitor financiados por político, ou artista, qualquer um pode impulsionar - explica.
Para Krishna, a maioria das publicações impulsionadas costumam ser publicidades. No entanto, são postagens que recebem bastante hate porque, ou elas não querem ver aquele conteúdo, ou porque usam aquele post para reclamar da marca. Não há uma distinção entre a pessoa que publicou e a marca que ela está representando. Para o consumidor, as duas são a mesma coisa.
Por Amanda Mussi
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